domingo, 22 de junho de 2025

TRAVESSIA QUE EDUCA: DO DIREITO VIOLADO AO ACESSO CONQUISTADO - Sebastião Mendes de Oliveira

 

Nasci em um tempo e lugar onde não se ensinava que a diferença é riqueza. Cresci em Berizal, sertão mineiro, sem os dois membros superiores – condição que, aos olhos da escola da época, me desqualificava como sujeito da educação. Quando minha mãe buscou me matricular, ouviu da diretora que ali não era lugar para mim. Faltavam braços – diziam – como se a inteligência e a alma dependessem da anatomia.

Fiquei por quase três anos fora da escola. E talvez continuasse assim, invisível, se uma professora recém-formada, chamada Irene, não tivesse ousado contrariar a lógica da exclusão. Inspirada no pensamento corajoso de Maria Teresa Eglér Mantoan, ela não viu um problema, mas uma possibilidade. Abriu as portas da sala e do coração, assumindo o risco de me escutar. Ali, começou minha travessia – da exclusão à autonomia, da deficiência à potência, da invisibilidade à cidadania.

Com os pés, segurei lápis, abri cadernos e, sobretudo, escrevi minha própria história. Não havia escola especial em Berizal – e ainda bem. Aprendi desde cedo que se a escola não é para todos, então ela também não é para ninguém. Essa convicção me conduziu por longos caminhos até me tornar pedagogo, cientista social, advogado, professor e palestrante. Cada título, cada função, é também um manifesto: sou resultado da ideia que o LEPED defende há décadas – de que toda pessoa, inclusive a pessoa com deficiência, tem o direito inegociável de aprender, pertencer, transformar e ensinar.

Hoje, ao fazer parte do LEPED, não apenas relembro a criança que fui eu a reencontro em mim. É como se dissesse a ela: “Você venceu, mas a luta continua agora por outros”. O que vivencio nesse espaço de trocas, ao lado da professora Maria Teresa e de tantas mentes brilhantes que constroem saberes com compromisso e generosidade, ultrapassa os muros da universidade. Levo cada debate, leitura e inquietação para as escolas públicas do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha territórios onde a inclusão, muitas vezes, ainda precisa resistir para existir.

Nas formações que conduzo, busco inspirar professores e famílias a acreditarem que a inclusão não é caridade nem adaptação. É justiça. E justiça, como nos ensina Maria Teresa Eglér Mantoan, não se faz com neutralidade, mas com compromisso e ética. Por isso, repito com orgulho: sou fruto da pedagogia da diferença, da escola que rompe com os modelos padronizados e aposta em sujeitos reais, inteiros, diversos. E tudo isso converge em uma só convicção: a pessoa com deficiência deve ser formada integralmente – com direito à formação omnilateral, aquela que contempla todas as dimensões do ser: intelectual, emocional, ética, estética, física e social.

Estudar, para mim, não é preparar para o mercado. É preparar para o mundo. É viver o estudo como travessia, como gesto de liberdade, como escuta do mundo e de si. Não é coincidência que hoje, ao lado de tantos colegas do LEPED, eu ecoe essas ideias. É coerência histórica. É coerência de vida.

Por isso, fazer parte do LEPED não é para mim uma questão de protagonismo, mas de profunda gratidão. Gratidão por estar em um espaço que me permite conviver com pessoas que pensam para além de si, que compartilham da mesma esperança que um dia inspirou a professora que me acolheu.

É naquele espaço, tão plural e pulsante, que reencontro o sentido das ideias que um dia me incluíram. É ali que minha história dialoga com tantas outras. Carrego comigo chão de terra, infância negada, fé de mãe, lápis entre os dedos dos pés e esperança plantada em cada palestra que faço. E isso, para mim, não é vaidade. É missão. É servir ao futuro com a dignidade que me foi negada no passado.

Participar ativamente do LEPED é mais que pertencer a um grupo de estudos. É compor um movimento que luta para que nenhuma criança seja deixada para trás. Que nenhuma mãe precise implorar pelo direito de seu filho à educação. E que cada professor tenha clareza de que ensinar é, acima de tudo, um ato de reconhecer a humanidade do outro.

Como nos ensina Maria Teresa: ensinar exige esperança. E é por essa esperança – concreta, cotidiana, atravessada de desafios – que continuo estudando, escrevendo, ensinando e, sobretudo, resistindo. Porque resistir, para mim, é isso: levar a palavra onde antes houve silêncio. Levar a inclusão onde antes houve recusa. Levar justiça onde antes houve exclusão.

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