Nasci em um tempo e lugar onde não se ensinava
que a diferença é riqueza. Cresci em Berizal, sertão mineiro, sem os dois
membros superiores – condição que, aos olhos da escola da época, me
desqualificava como sujeito da educação. Quando minha mãe buscou me matricular,
ouviu da diretora que ali não era lugar para mim. Faltavam braços – diziam –
como se a inteligência e a alma dependessem da anatomia.
Fiquei por quase três anos fora da escola. E
talvez continuasse assim, invisível, se uma professora recém-formada, chamada
Irene, não tivesse ousado contrariar a lógica da exclusão. Inspirada no
pensamento corajoso de Maria Teresa Eglér Mantoan, ela não viu um problema, mas
uma possibilidade. Abriu as portas da sala e do coração, assumindo o risco de
me escutar. Ali, começou minha travessia – da exclusão à autonomia, da
deficiência à potência, da invisibilidade à cidadania.
Com os pés, segurei lápis, abri cadernos e,
sobretudo, escrevi minha própria história. Não havia escola especial em Berizal
– e ainda bem. Aprendi desde cedo que se a escola não é para todos, então ela
também não é para ninguém. Essa convicção me conduziu por longos caminhos até
me tornar pedagogo, cientista social, advogado, professor e palestrante. Cada
título, cada função, é também um manifesto: sou resultado da ideia que o LEPED
defende há décadas – de que toda pessoa, inclusive a pessoa com deficiência, tem
o direito inegociável de aprender, pertencer, transformar e ensinar.
Hoje, ao
fazer parte do LEPED, não apenas relembro a criança que fui – eu a reencontro em mim. É como se
dissesse a ela: “Você venceu, mas a luta continua – agora por outros”. O que vivencio nesse
espaço de trocas, ao lado da professora Maria Teresa e de tantas mentes
brilhantes que constroem saberes com compromisso e generosidade, ultrapassa os
muros da universidade. Levo cada debate, leitura e inquietação para as escolas
públicas do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha – territórios onde a inclusão, muitas
vezes, ainda precisa resistir para existir.
Nas formações que conduzo, busco inspirar
professores e famílias a acreditarem que a inclusão não é caridade nem
adaptação. É justiça. E justiça, como nos ensina Maria Teresa Eglér Mantoan,
não se faz com neutralidade, mas com compromisso e ética. Por isso, repito com
orgulho: sou fruto da pedagogia da diferença, da escola que rompe com os
modelos padronizados e aposta em sujeitos reais, inteiros, diversos. E tudo
isso converge em uma só convicção: a pessoa com deficiência deve ser formada
integralmente – com direito à formação omnilateral, aquela que contempla todas
as dimensões do ser: intelectual, emocional, ética, estética, física e social.
Estudar, para mim, não é preparar para o
mercado. É preparar para o mundo. É viver o estudo como travessia, como gesto
de liberdade, como escuta do mundo e de si. Não é coincidência que hoje, ao
lado de tantos colegas do LEPED, eu ecoe essas ideias. É coerência histórica. É
coerência de vida.
Por isso, fazer parte do LEPED não é
para mim uma questão de protagonismo, mas de profunda gratidão. Gratidão por
estar em um espaço que me permite conviver com pessoas que pensam para além de
si, que compartilham da mesma esperança que um dia inspirou a professora que me
acolheu.
É naquele espaço, tão plural e pulsante,
que reencontro o sentido das ideias que um dia me incluíram. É ali que minha
história dialoga com tantas outras. Carrego comigo chão de terra, infância
negada, fé de mãe, lápis entre os dedos dos pés e esperança plantada em cada
palestra que faço. E isso, para mim, não é vaidade. É missão. É servir ao
futuro com a dignidade que me foi negada no passado.
Participar ativamente do LEPED é mais
que pertencer a um grupo de estudos. É compor um movimento que luta para que
nenhuma criança seja deixada para trás. Que nenhuma mãe precise implorar pelo
direito de seu filho à educação. E que cada professor tenha clareza de que ensinar
é, acima de tudo, um ato de reconhecer a humanidade do outro.
Como nos ensina Maria Teresa: ensinar exige
esperança. E é por essa esperança – concreta, cotidiana, atravessada de
desafios – que continuo estudando, escrevendo, ensinando e, sobretudo, resistindo.
Porque resistir, para mim, é isso: levar a palavra onde antes houve silêncio.
Levar a inclusão onde antes houve recusa. Levar justiça onde antes houve
exclusão.
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