sábado, 21 de junho de 2025

 

O estudo como forma de vida: uma travessia possível

Marcia Maria do Nascimento

 

Participar dos estudos no grupo LEPED é partilhar experiências. Embora muitas vezes o estudo pareça ação solitária, ele não exclui o mundo: dialoga com ele, convoca outros tempos e vozes. É o estudo como abertura, como movimento, como forma de continuar. Proporciona experiências profundas de encontro com a palavra, com os autores e, comigo mesma enquanto sujeito do estudo. Estudar é, para mim, muito mais que uma atividade ligada à profissão docente. É um modo de existir com abertura, escuta e sensibilidade.

A leitura do livro Elogio do Estudo, de Jorge Larrosa, ao longo deste semestre, me fez repensar o sentido do estudar em minha vida e em minha prática cotidiana, ampliou meu repertório teórico e passou a habitar minha existência docente.

As reflexões proporcionadas me localizam no tempo e no espaço como alguém que estuda — não como mera atividade intelectual, mas como uma forma de ser e estar no mundo. Estudar, tal como apresentado, resgata sua origem na palavra grega scholé, que remete a tempo livre, paz, ócio e exercício do pensamento. Um tempo de liberdade e dedicação, de afeto e empenho — studium, do latim, que significa afeição, interesse, esforço, disposição espiritual e corporal.

O estudo, nesse sentido, não é apenas tarefa ou preparação para algo. É travessia, é possibilidade de ir além do que sou, é diálogo com autores, ideias e mundos, mesmo quando realizado no silêncio individual, convoca o mundo em sua pluralidade de tempos e espaços. O estudo ressoa em mim não apenas como formação, mas como forma de vida — uma experiência que me afeta, me transforma e me constitui.

Um exercício de pensamento,  que nos atravessa e nos modifica. Uma atividade que não promete resultados imediatos, mas que transforma o próprio modo de ser.

Nessa perspectiva, estudar é um ato de liberdade. Uma liberdade que exige escolha, entrega e presença. Não se trata de um fazer distraído, mecânico, mas de uma atitude ética e estética diante da vida. Nas palavras de Larrosa, o estudo é um tempo de escuta, de silêncio, de travessia — uma travessia que me leva para além de mim, em direção ao outro, ao desconhecido, ao imprevisível.

Percorri doces caminhos nas páginas do livro, dialogando com muitos autores como Aristóteles, Bourdieu e Rancière. E partir destes, emergiram questões fundamentais: a separação entre o tempo do estudo e o tempo do trabalho, o privilégio social do saber, a oposição entre os homens da scholé e os homens da necessidade.

No percurso histórico, essa liberdade originária vai sendo progressivamente apagada. Ao longo das civilizações, o sentido do estudo foi sendo esvaziado. O estudo, antes gratuito e voltado ao desinteresse, vai sendo capturado por lógicas utilitaristas, tornando-se instrumento de preparação para o trabalho e para o mercado.

A escola contemporânea, tensionada pelas exigências do neoliberalismo, transforma o estudante em trabalhador em formação, e o estudo em aprendizagem voltada para habilidades, competências e produtividade. Assim, perde-se o tempo livre do pensamento, e instala-se a lógica do consumo, do desempenho e da eficiência. A gratuidade dá lugar à utilidade; o afeto, ao cálculo. O tempo livre se transforma em tempo produtivo. Estudar passa a ser visto como caminho para alcançar competências, habilidades e eficiência — termos que invadem os documentos oficiais e os discursos educacionais.

Nesse contexto, o estudante é transformado em futuro trabalhador, a aprendizagem em instrumento para o consumo e o estudo em tarefa útil e rentável. A educação é capturada pelo discurso do mercado, e o tempo do pensar é comprimido pela urgência dos resultados. O desinteresse, como forma de liberdade, é substituído pelo desempenho. Essa visão empobrece o processo educativo e compromete a formação crítica dos sujeitos. Como professora, tenho vivenciado diariamente essas tensões: o desafio de manter viva a chama do estudo diante de pressões externas.

Contudo, nas reflexões propostas por Larrosa, encontrei uma abertura, uma fresta de liberdade que resiste. Estudar, verdadeiramente estudar, é um gesto de recusa e, ao mesmo tempo, de afirmação. Aquele que me constitui como ser pensante, que me sustenta diante dos desafios. Frente a recusa do imediatismo e da instrumentalização do saber. É a afirmação de uma vida que se deixa atravessar pela palavra, pela experiência, pela transformação. Estudar, nesse sentido, é um gesto político e vital.

O estudo como experiência de vida é um gesto necessário em tempos de pressa, de produtividade e de esvaziamento do sentido da educação. Quando vivido com afeto, empenho e liberdade, é capaz de transformar, serve à formação de um sujeito que pensa, sente e resiste.  Em um mundo que valoriza cada vez mais o fazer, estudar é um modo de dizer: “ainda estou aqui, e penso”.

Este estudo que experimento no LEPED é hoje o que me sustenta diante dos desafios da educação. Não como técnica ou solução rápida, mas como postura existencial e ética. Compreendi que o estudo é um ato de resistência, uma possibilidade de existir de maneira mais inteira, mais profunda.  Uma forma de estar no mundo que me permite escutar, compreender, questionar. Estudar é resistir. É, sobretudo, continuar.

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